Creio que todos já devem ter ouvido falar da obra “O Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna.
A obra, escrita em 1955, retrata a vida de dois picaretas no interior do nordeste brasileiro. Na época de seu lançamento ela foi muito debatida pois retratava Jesus como um homem negro, coisa impensável na época, já que até então a visão de Jesus branco, loiro e dos olhos azuis era a vigente e um Jesus negro era uma blasfêmia enorme. O que Suassuna quis fazer foi uma afrontar o preconceito.
A própria figura de Jesus é uma afronta: homem pobre e judeu, religião mais desprezada da história e que sofre ataques e perseguições desde sempre. A imagem de Cristo por si só já diz para deixar preconceitos de lado pois o salvador pode vir naquele que mais desprezamos. Há inclusive uma história de São Francisco de Assis em que ele beija um leproso que mais tarde revela-se como uma encarnação divina. Não há espaço para ódio aqui, o cristianismo diz que Cristo voltará como alguém odiado por muitos, o preconceito só te afastaria da salvação.
Até eu que não sou cristão entendi isso.
Na última semana Fábio Porchat deu uma declaração polêmica: se Jesus voltasse hoje, provavelmente ele seria uma travesti.
Muitos ficaram chocados, dizendo que era a maior falta de respeito já vista.
Mas se você pensar bem, o humorista não fez nada diferente do que Suassuna ou Assis: representou Cristo como alguém muito odiado pela população.
(Não entendo porque as pessoas são tão hostis à população trans, eles não são menos merecedores de respeito que você, então porque tanto ódio?)
O problema aqui não é como ele voltaria, mas a forma como seria recebido.
Se Cristo voltasse amanhã ele provavelmente escolheria voltar como alguém que seria odiado para ensinar que devemos amar sem preconceitos e não julgar, então o que há de errado nessa fala?
Porchat desperta hoje o mesmo ódio que Suassuna despertou em 1955.
Antes foi trabalhoso e demorado para entender que aquele era um preconceito besta, agora já temos ferramentas para entender isso mais rápido.
